PM que atirou em fiel diz que “petistas” estavam em “confronto com igreja”
O cabo da Polícia Militar de Goiás (PM) Vitor da Silva Lopes (38), que atirou em um fiel de uma igreja em Goiânia após uma discussão durante culto na noite de 31 de agosto, comentou em depoimento prestado horas após o fato que deixou de cumprimentar a vítima – o que teria originado a briga – pelo fato de a família dela ser de “petistas em confronto com o que a igreja prega” e que o irmão desta pessoa estaria causando transtornos ao pessoal do templo.
Uma semana antes do culto, o motorista de aplicativo Daniel Augusto Souza, de 45 anos, frequentador do templo da Congregação Cristã do Brasil localizado no Setor Finsocial, na capital, havia dado entrevista para um site afirmando que os líderes religiosos do local estariam orientando os fiéis a não votarem em candidatos de esquerda nestas eleições, mais especificamente os do Partido dos Trabalhadores (PT), “da bandeira vermelha”. No dia do tiro, Daniel e o líder do templo iriam, inclusive, fazer uma conciliação pública, ambos se perdoando.
A entrevista causou uma confusão dentro do templo e o clima estava tenso durante o culto no dia 31. Em um momento no qual o policial, que é músico da banda do templo, foi até o lado externo para beber água, o irmão de Daniel, Davi Augusto, de 40 anos, teria ido até ele para cumprimentá-lo, mas o PM recusou o aperto de mão. A partir daí começaram a brigar, o policial atirou na perna de Davi e saiu da igreja em seguida. Após uma pausa breve, o culto foi retomado enquanto a vítima era atendida.
Em um segundo depoimento, prestado dois dias depois, já no inquérito aberto para apurar o fato, o cabo negou que o motivo para não gostar da família de Davi fosse político e, sim, apenas por, na opinião dele, não seguirem o que prega a igreja que ele frequenta. O cabo disse também que atirou intencionalmente para se defender, pois Davi insistia em avançar nas agressões junto com mais três familiares e ele tinha medo que a arma fosse pega por um deles.
Na primeira oitiva, Vitor afirmou que se negou a cumprimentar Davi porque tanto este como seus familiares, principalmente o Daniel, estarem “causando vários transtornos na igreja”. “Estes familiares de Davi atrapalham o culto e, como são petistas, estão em confronto com o que a igreja prega, uma vez que a igreja diz para não votarem em quem é contra a doutrina cristã, motivo este que eles (Davi e familiares) perseguem todos na igreja que pensam de forma contrária a eles”, diz trecho do depoimento prestado na Central de Flagrantes, ao qual O POPULAR teve acesso.
Já no depoimento do dia 2, prestado no 22º Distrito Policial (22º DP), onde tramita o inquérito, Vitor aproveitou o final da oitiva, quando lhe foi dada a oportunidade de falar sobre algo que considere relevante, para dizer que realmente avalia que Davi não se comporta como orienta a igreja, mas que isso não tem a ver com manifestações ou posições políticas.
Na versão do policial, após participar de três músicas no culto, ele foi até o bebedouro e começou a conversar com outro fiel. Davi foi atrás e tentou cumprimentá-lo, mas Vitor não quis lhe dar atenção. Após a insistência de Davi, Vitor pediu que se afastasse, Davi foi em direção ao banheiro, trombou nele e em seguida começou a briga. O irmão, o sobrinho e mais um parente da vítima se aproximaram e entraram na briga. O cabo diz que alguém tentou pegar sua arma, fazendo-o com que a sacasse para afastar os quatro. Como Davi seguiu em sua direção, ele atirou na perna e em seguida deixou a igreja por medo das reações.
Histórico
Uma semana antes, Daniel havia interrompido a fala de uma liderança religiosa do templo questionando-a sobre manifestações políticas dentro do culto. Uma circular que veio da matriz da igreja orientava os fiéis a não votarem nos partidos com políticas que vão contra os princípios do grupo, como pautas sobre aborto e de gênero. Algumas pessoas, entre elas Daniel, teriam ficado contrariadas sobre a forma como esta circular foi lida e comentada pela liderança do templo no Finsocial.
Vitor, Davi e Daniel se conhecem desde a adolescência, pois sempre frequentaram a mesma igreja, e tinham uma boa relação até um tempo atrás. Há dois anos, Davi se mudou de cidade e passou a ir ao templo do Finsocial muito esporadicamente. Porém, após a tensão causada pela discussão sobre política dentro da igreja, a rixa entre o policial e os irmãos aumentou.
Um depoente contou que após a entrevista de Daniel, este e Vitor passaram a discutir nas redes sociais. Daniel também contou na delegacia que o policial e o líder do templo com o qual discutiu têm uma amizade bastante forte. Outros fiéis e líderes do templo já prestaram depoimento e é conflitante a versão sobre quem iniciou a briga e sobre o que viram no momento em que o policial atirou. Há quem diga que Vitor deu o primeiro soco e outros que Davi esbarrou nele propositadamente após ver recusado o cumprimento.
Uma testemunha que estava do lado de Vitor na hora da confusão disse que ouviu Davi dizer para o policial, quando teve o cumprimento recusado: “Que isso? Tá com o demônio? Tá repreendido”. Em seguida, ao se dirigir ao banheiro, Davi esbarrou no cabo, levou um soco e caiu no chão. Essa mesma testemunha disse ter ouvido quando alguém gritou para pegar a arma do policial, momento em que o cabo foi mais rápido, a sacou e atirou em Davi. O policial pediu que chamassem o Samu, ficou mais um tempo e saiu.
Uma outra pessoa admitiu na delegacia que durante a confusão, quando a arma de Vitor ficou exposta, alguém gritou para pegá-la e ele tentou, mas foi derrubado por um soco pelo policial. Depois disso, outro fiel o segurou na porta do banheiro.
Sem cumprimentos
Em seu depoimento, Daniel contou que momentos antes da briga seu filho e sua esposa tentaram cumprimentar, respectivamente, o filho e a esposa de Vitor, mas a reação foi similar à do policial com Davi antes das agressões. Por isso, ao ver o irmão indo até onde estava o cabo, decidiu ir atrás.
Ainda segundo Daniel, o tiro foi disparado no momento em que Davi se levantava, na parte de trás da coxa, atravessando-a. E que ninguém agrediu o policial, apenas tentavam contê-lo.
A vítima do tiro foi ouvida no dia 6 e afirmou que, após Vitor se recusar a cumprimentá-lo e chamá-lo de vagabundo, afirmou: “Tá repreendido em nome de Jesus. Tá com Satanás? O que aconteceu”, mas que o policial continuou agressivo e por isso se afastou em direção ao banheiro. Na versão dele, foi o cabo quem esbarrou nele e em seguida lhe deu um soco.
Entre os depoimentos já prestados, só uma pessoa disse ter visto Davi agredindo o policial. A maioria, tirando os envolvidos diretamente na confusão, conta ter chegado após a briga iniciada ou mesmo após ouvir o barulho do disparo.
No dia 8 de setembro, a Polícia Civil entrou com um pedido de medida cautelar para que o policial não tivesse mais contato com a vítima. O processo tramita em sigilo judicial.
Davi e Vitor afirmaram em seus depoimentos que não têm intenção de entrar com representação um contra o outro. Vitor também disse que já foi procurado pela família da vítima para apaziguar a situação, enquanto Daniel contou que procurou Vitor para colocar um ponto final na briga após terem sido ameaçados por outros policiais.
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*Com informações de O Popular