O número de Cadastros Nacionais da Pessoa Jurídica (CNPJs) ativos de clubes de tiros em Goiás saltou de 13, no início de 2019, para 82, em novembro de 2022. Especialistas apontam que o aumento de seis vezes pode ser explicado pelo estímulo à cultura armamentista promovido, principalmente, pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) e apostam em uma retração com as mudanças que devem ser promovidas por Lula (PT) a partir de 2023. 

Os dados são da Junta Comercial do Estado de Goiás (Juceg), que fez o levantamento a pedido do POPULAR. Os clubes de tiros são categorizados pela Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) junto com outros centros educacionais como locais de ensino de esportes. Por isso, a Juceg fez uma filtragem específica por nome para chegar a uma assertividade em relação a quantidade real de escolas do tipo. 

Para ser filiado a um clube de tiro é necessário ser um Colecionador, Atirador desportivo e Caçador (CAC). Por isso, a quantidade de CACs também apresentou uma tendência de crescimento em todo o País. Apenas entre 2019 e 2022, o número de CACs na 11ª Região Militar, da qual faz parte Goiás junto com o Triângulo Mineiro, Distrito Federal e Tocantins, saltou de 18 mil para 85,7 mil. Atualmente, frequentar um clube de tiro é uma exigência legal para que um CAC não perca o registro. 

Desde 2018, o guarda civil metropolitano Leder Pinheiro é dono de um clube de tiro em Goiânia. Atualmente, ele possui 1,8 mil filiados. Pinheiro acredita que o crescimento dos clubes de atiradores é anterior ao governo de Bolsonaro, mas admite que o presidente foi um forte impulsionador da prática. “Realmente, deu um ‘boom’ desde que ele assumiu a presidência. Porém, é um crescimento que considero positivo. O governo tem controle de quem são os frequentadores e do que eles estão comprando”.

O membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Roberto Uchôa, explica que esse crescimento já era esperado desde que o porte de arma municiada pelos CACs foi criado em 2017, ainda no governo de Michel Temer, e aumentou quando Bolsonaro flexibilizou ainda mais a legislação e não impôs uma delimitação de trajeto, datas e horários a serem seguidos. 

“Isso cria uma corrida muito grande das pessoas para serem CACs justamente para poderem circular armadas. É chamado de ‘porte abacaxi’. Um porte de arma para proteger a própria arma. Vemos muitos clubes de tiros funcionando 24 horas. Isso é usado como desculpa para quem quer andar armado à noite. Não é uma questão do esporte”, discorre Uchôa. 

Funcionamento 

Pinheiro esclarece que os protocolos de funcionamento de um clube de tiro são rígidos. Para entrar, os CACs precisam retirar as munições das armas. “A pessoa só pode colocar a munição de novo no momento do treinamento e quando estiver indo para casa”, relata. Pessoas que não são CACs só podem frequentar os clubes de tiros para fazer cursos. “O tempo todo eles são acompanhados de instrutores. Antes de tudo, fazemos a conferência dos antecedentes criminais e possíveis processos”, enfatiza. 

Pinheiro considera que a fiscalização feita pelo Exército Brasileiro, que regulamenta os CACs e os clubes de tiros, é rígida. Entretanto, de acordo com informações do Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, em toda a 11ª Região Militar, apenas 193 clubes de tiro foram fiscalizados em 2021. Segundo a Diretoria Federal de Produtos Controlados (DFPC) do Exército, devido a pandemia de Covid-19 não houve fiscalização direcionada a detentores de registros expirados e/ou inativos na 11ª Região Militar em 2020 e 2021. 

Prognóstico 

No dia 17 de novembro, o senador eleito Flávio Dino (PSB-MA), que é um dos coordenadores do grupo de trabalho de Justiça do gabinete da transição de Lula, negou que os clubes de tiro serão fechados de maneira generalizada a partir do próximo ano. Entretanto, ele afirmou que os decretos sobre armas devem ser revogados. “O ‘liberou geral’ é uma irresponsabilidade”, disse. 

Reportagem do POPULAR mostrou que a quantidade de novas armas circulando pelo Brasil e por Goiás deverá diminuir com as mudanças prometidas pela equipe de transição, o que irá impactar diretamente no funcionamento dos clubes de tiro em 2023. Uchôa acredita que as modificações são válidas e devem ser ainda mais profundas do que o anunciado. “Precisamos modernizar a legislação com, por exemplo, a unificação da fiscalização e controle de armas de fogo no Brasil.” 

Apesar de apostar na existência de uma comunidade já consolidada de CACs em Goiás, Leder Pinheiro destaca que as alterações deverão causar uma retração no atual movimento de expansão da prática. “Quem realmente é esportista não vai abrir mão por conta da mudança de governo. Já conseguimos reter um público. É um esporte olímpico e trazemos muita arrecadação via imposto. Entretanto, nos preparamos para uma desaceleração por conta desse posicionamento.” 

Regularização de estandes é debatida 

Uma audiência pública que aconteceu na manhã desta segunda-feira (28), na Câmara Municipal de Goiânia, discutiu a regularização dos estandes de tiros na capital. O encontro foi organizado pelo vereador Thialu Guiotti (Avante), que, na última terça-feira (22), pediu vistas do projeto de lei que é de autoria do vereador Clécio Alves (Republicanos). Thialu esclarece que não pôde estar presente na audiência por questões pessoais, mas relata que ela não contou com uma grande quantidade de participantes. 

Contando a partir de quando pediu vistas, o vereador tem 10 dias para devolver o projeto, que já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e vai para votação em plenário. “Nesta terça-feira (29) receberei uma comissão de vários proprietários de estandes e clubes de tiro de Goiânia para ouvir as demandas deles”, explica. A ideia é também debater o assunto com órgãos como a Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplanh) antes de enviar as emendas. 

A sessão da última terça foi marcada por troca de ofensas entre Clécio e empresários do setor que foram à Câmara protestar contra o projeto. O grupo afirma que existe suposto interesse por trás da proposta, devido ao fato de que Leder Pinheiro, dono de um estande na capital, assessorou o vereador na elaboração. 

“O que nós temos que entender é que Goiânia não tem regulamentação dos clubes de tiro”, tentou argumentar Clécio durante a sessão enquanto era vaiado pelos manifestantes. 

*com informações de O Popular

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