Goiânia não é uma cidade acessível, aponta pesquisa sobre mobilidade
Goiânia não é considerada uma cidade acessível quando falamos de mobilidade urbana, sobretudo para quem mora nas periferias, a locais de trabalho, saúde ou educação, como aponta o estudo que calcula o Índice de Acesso à Cidade (IAC), realizado no final de julho. A pesquisa calculou qual o tempo gasto nos trajetos feitos com diversos meios de transporte entre as áreas da cidade até locais que possuem empregos, escolas ou unidades de saúde e deu nota 37,7 para a capital goiana numa escala de 0 a 100. Isso significa dizer que o município não permite um deslocamento em tempo considerado ideal para 62% dos casos.
O estudo foi feito pela organização Multiplicidade Mobilidade Urbana em parceria com a empresa de aplicativos de transporte 99. O IAC foi calculado a partir do Índice de Acesso à Cidade em Prol da Redução das Desigualdades (IAOD) e o Índice de Integração do Automóvel por Aplicativo com o Transporte Coletivo (IATP), que é feito por pesquisa junto aos usuários da 99. Já o IAOD, que corresponde a 80% do cálculo para o IAC, é baseado no cálculo do tempo de deslocamento de pedestres, ciclistas, usuários do transporte coletivo e do transporte por aplicativo. Ele é feito dividindo a cidade em áreas e verificando qual a duração do trajeto de cada uma delas até os pontos de trabalho, saúde e educação.
Para a pesquisa, o instituto considerou 60 minutos o tempo máximo de viagem de ônibus ou transporte por aplicativo, e 30 minutos para trajetos a pé ou bicicleta, às 7 horas da manhã de uma quarta-feira do mês de fevereiro deste ano. Há um peso maior para os locais de moradia de pessoas pretas e periferias. A nota de Goiânia indica que em 62% dos trajetos traçados pelo software entre as áreas da cidade e suas centralidades, que são os locais em que estão os pontos em que há emprego, hospitais ou escolas, o tempo estimado foi superado. Essa metodologia utilizada é a mesma do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) para medir o tempo gasto no deslocamento.
Os números retratam o que Elizabeth Alves de Jesus (69), passa diariamente há nove anos, tempo em que trabalha com a distribuição de panfletos e a venda de garrafinhas com água para os pedestres em uma esquina da Avenida Independência, na região do Setor Campinas. Sua rotina consiste em andar até o Terminal do Dergo e pegar dois ônibus para ir ao serviço e a mesma quantidade para retornar à sua casa no Setor São José. Cada um desses trajetos levam em média uma hora. A senhora, que está com o braço enfaixado devido a uma queda, também precisa ir até as unidades de saúde por meio do transporte público.
“Eu não vou para lugar nenhum aqui nesta cidade com menos de uma hora, nem visitar a família, para andar e pegar ônibus”, afirma. Elizabeth argumenta que ainda faltam veículos o suficiente para transportar os cidadãos, dessa forma, o tempo de espera é mais um agravante nas horas que ela gasta no dia para chegar até os espaços necessários. Neste cenário, ainda com as dificuldades, a vendedora não pensa em trabalhar mais perto de onde vive. “Lá não tem condição, não tem como vender na mesma quantidade e aqui o povo já me conhece, tem de ser aqui”, diz.
Segundo a Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC), a rede metropolitana é interligada a partir dos equipamentos urbanos de integração e abrange todo o território dos seus 19 municípios. “O atributo da integração física e tarifária de todas as linhas da rede propicia que todos os passageiros de todos os municípios atendidos atinjam qualquer ponto do território coberto, com a mesma tarifa, mediante troca de ônibus.” Sobre o tempo de viagem, informa que a duração média de percurso das linhas foi “muito impactada pela acentuação da periferização, a partir dos meados de 1990”, o que gerou a consequência do atendimento a setores cada vez mais distantes com maiores tempo e menores velocidades médias, hoje em torno de 12,6 km/h.
Bicicleta detém melhor indicador
O estudo que calculou o Índice de Acesso à Cidade (IAC) em 13 capitais e outras quatro cidades brasileiras indica com relação à Goiânia que o uso da bicicleta tem o maior potencial de conseguir fazer trajetos entre residências e locais de trabalho, saúde e educação dentro de 30 minutos. No caso, os ciclistas da capital têm o potencial de atingir esses locais desejados em 61% dos casos. Para a fundadora da Multiplicidade Mobilidade Urbana, Glaucia Pereira, que é a coordenadora-geral da pesquisa, o número indica que há boas condições de investir na mobilidade ativa na cidade. “É possível atingir esse acesso com as bicicletas, então é preciso melhorar essa política”, diz.
Ela ressalta, porém, que os cálculos realizados não levam em consideração a segurança para os ciclistas e nem a existência de estruturas como ciclovias. “O software prioriza esses locais com as vias para as bicicletas, mas não só com elas. O número não significa que as condições de segurança são boas para os ciclistas, mas sim que há condições de chegar nos locais em até 30 minutos”, diz. Ela aponta que a planificação da cidade, com a sua topografia, e o clima são pontos que concedem maior pontuação ao modal. “No geral, as cidades pesquisadas tiveram boas notas com as bicicletas”, avalia.
A pesquisa também traz boa pontuação para os caminhos realizados a pé, em que 42,8% dos deslocamentos entre as residências e os locais com empregos, saúde ou educação são realizados pelos pedestres em até 30 minutos. Já para os usuários de ônibus, apenas 21,8% dos deslocamentos até os pontos desejados são feitos em até uma hora, embora o índice seja maior do que o calculado para os transportes por aplicativo (14,6%). Glaucia reforça que o estudo é feito com a capacidade de nivelar as cidades estudadas. “Mostra, no geral, que a mobilidade está ruim e que dá para fazer melhorias contínuas, mas não é algo de dois anos, por exemplo. É possível melhorar.”
A pesquisadora explica que não foram feitos trajetos com veículos particulares, como carros e motos, pela prioridade dada aos modos ativos e públicos pelo Plano Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU) e porque há a intenção de priorizar modos de transporte acessíveis. Isso porque seria necessário, neste caso, calcular também a dificuldade de ter acesso aos veículos particulares por si só. A 99 informa que os dados “podem apoiar as cidades com insumos importantes para o futuro planejamento e priorização”, além de fortalecer a multimodalidade e a possibilidade de escolha dos moradores, fortalecendo a mobilidade como serviço.
Prefeitura aposta em ações coletivas
O titular da Secretaria Municipal de Mobilidade, Horácio Mello, concorda que Goiânia é uma cidade que tem muito a melhorar para a acessibilidade das pessoas, sobretudo moradores dos bairros mais distantes das regiões Sul e Central, aos locais de trabalho, saúde e educação. “Nós acreditamos em uma série de ações que vamos fazer, como implantar mais corredores de transporte coletivo, e também no que já estamos fazendo, como o Bilhete Único, que melhora o tempo de viagem do usuário de ônibus, pois permite a integração em qualquer ponto da cidade.” Ele confirma que o Paço não participou do estudo que calcula o Índice de Acesso à Cidade (IAC) e que não o conhecia até então.
“Vamos estudar bem esta pesquisa, que parece ser interessante até mesmo para a gente, que está realizando o Plano de Mobilidade. Queremos coroar a mentalidade no trânsito de Goiânia para melhorar a mobilidade da cidade, junto com as mudanças que estamos e vamos implementar”, diz o secretário ao citar as modificações feitas na região do Jardim América e a finalização da construção do BRT Norte-Sul. Horácio relata que embora o Plano de Mobilidade esteja a cargo da Secretaria Municipal de Planejamento e Habitação (Seplanh), a SMM participa ativamente da sua concepção e vai levar o estudo do IAC aos técnicos.
Sobre o índice mais favorável para o uso das bicicletas em Goiânia, conforme a pesquisa do IAC, Horácio relata que a tendência é que o resultado seja ainda melhor nos próximos anos. Ele afirma que o Paço Municipal fará a recuperação de toda a malha cicloviária e ainda a expansão, com a construção de novas ciclovias e ciclofaixas, com maior segurança aos usuários pela segregação das vias dos carros. “Vamos fazer um boom de ciclovias, como a que vai ligar o Câmpus Samambaia à Praça Universitária e da Praça Universitária ao Paço Municipal, no Park Lozandes”, diz. Com isso, ele explica, será natural a redução das vagas públicas de estacionamento para veículos particulares, até mesmo para a construção, também, dos corredores do transporte coletivo.
Ele aposta também no uso da tecnologia para a melhoria da mobilidade, como a implantação de semáforos inteligentes. Já com relação aos pedestres, cujos trajetos calculados pelo IAC demonstram um indicador de 42,8% de acesso em menos de 30 minutos, Horácio afirma que a melhoria passa também por ações conjuntas entre as secretarias, como a Seplanh, em uma discussão sobre as revitalizações das calçadas ou mesmo construções em locais onde elas ainda não existem. “É uma discussão grande, pois hoje é responsabilidade dos proprietários dos imóveis. A Prefeitura poderia fazer a obra e cobrar deles de algum jeito? Temos de discutir isso ainda.”
A coordenadora-geral da pesquisa, Glaucia Pereira, ressalta que o estudo tem o objetivo de ponderar os territórios com mais pessoas pretas para verificar a redução de desigualdades nos deslocamentos, de modo a fomentar os municípios com os dados e propostas de soluções.
A 99, empresa de aplicativo de transporte que participou da pesquisa, explica que as cidades que compõem o estudo foram selecionadas estrategicamente a partir da colaboração entre a 99, o Centro de Liderança Pública (CLP) e os poderes públicos municipais. “A iniciativa se deu no âmbito de um programa de capacitação que criou espaços de debate sobre o tema da mobilidade urbana e planejamento. Neste contexto foram identificadas 13 capitais estaduais e quatro cidades de relevância econômica distribuídas nas cinco regiões do País”, informa.
Integração de aplicativo com ônibus é de 18,4%
Apenas 18,4% dos passageiros da 99 que participaram da pesquisa para o cálculo do Índice de Acesso à Cidade (IAC), realizado pela empresa e pela Multiplicidade Mobilidade Urbana, afirmaram ter feito a integração com o transporte coletivo. Ou seja, realizou parte do trajeto pela 99 e o restante com o ônibus.
No entanto, 36,8% dos usuários afirmaram preferir fazer este tipo de deslocamento. Segundo a empresa, “o porcentual de integração com o transporte público depende do comportamento das pessoas na cidade e do sistema de transporte, ou seja, ele varia com a presença de metrô/trem, terminais de ônibus e da capilaridade das linhas de ônibus”.
Neste sentido, a 99 não considera que 18,4% seja um percentual baixo no caso de uma cidade sem metrô como Goiânia. “O transporte por aplicativo tem sido usado como complementar às viagens de transporte público, e isso aumenta o acesso das pessoas nas cidades. A 99 incentiva o uso da integração com o transporte coletivo em todas as cidades em que atua.”
Já a CMTC, informa que a nova rede metropolitana, aprovada em lei de dezembro de 2021, possibilita opções de descolamento integrados, incluindo serviços complementares, como o CityBus 3.0, bicicletas compartilhadas e integração fora dos terminais.
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*com informações de O Popular