Estudante do curso de Medicina da Universidade Federal de Goiás (UFG) foi preso na última semana suspeito de furtar analgésicos de extrema potência do Hospital das Clínicas (HC). A prisão foi realizada pela Polícia Federal (PF) na última sexta-feira (26) após funcionários do HC flagrarem a ação do aluno.

O desaparecimento de medicamentos começou a ser registrado no dia 12 deste mês, conforme consta no processo. A maior parte dos fármacos furtados são opioides, grupo de drogas indicadas para tratamento de dores severas, mas que também são conhecidas pelo uso recreativo. Na lista estão nomes já conhecidos como a morfina, além de outros como o fentanil, que é descrito como o mais potente de todos.

O estudante tem 29 anos, está no quarto ano da graduação e a princípio não poderia acessar as áreas que contam com as referidas substâncias. No entanto, alegando participação em projetos e interesse em observar procedimentos, passou a transitar pelos locais restritos ainda sem autorização. Após a prisão, a Faculdade de Medicina (FM) decidiu pelo afastamento temporário.

No processo, investigadores dizem que pela variedade das drogas desaparecidas há o indício de que o roubo não tenha sido para uso próprio, indicando a possibilidade do crime de tráfico. Isso porque o HC também registrou o desaparecimento de medicações utilizadas em casos de intoxicação por narcóticos.

Investigação

As investigações foram iniciadas de forma interna. Em registro remetido a direção do HC, servidores detalharam no dia 19 de agosto que os desaparecimentos coincidiam com a presença do mesmo estudante, sendo ele o único membro estranho que havia passado pelos locais antes dos sumiços.

No dia 12 de agosto a servidora responsável pelo controle dos medicamentos do carrinho verificou a falta de duas ampolas de midazolam (sedativo), cinco ampolas de morfina e uma ampola de diazepam (ansiolítico).

Na semana seguinte novamente houve desaparecimentos. No dia 18 a maior quantidade: oito ampolas de fentanil (analgésico da família da morfina), duas de flumazenil (para reverter efeito de uso de drogas), quatro ampolas de midazolam, quatro de morfina e uma ampola de naloxona. O controle do dia seguinte registrou novas perdas: quatro ampolas de fentanil, duas de naloxona, cinco de morfina e quatro ampolas de midazolam.

Diante dos registros, um procedimento interno foi aberto pela direção do HC e o estudante ouvido pelos membros da comissão no dia 22 de agosto. Na ocasião ele negou qualquer relação com os desaparecimentos. Questionado sobre a presença em locais proibidos, disse que tinha interesse em observar técnicas e ter acesso a resultados de exames, o que não havia sido solicitado ou autorizado por ninguém. Ao final da oitiva, ele chegou a se colocar à disposição para fazer exames toxicológicos.

Prisão

No dia 26, três dias depois de ser ouvido por servidores do HC, o estudante foi flagrado com um kit de medicamentos. Uma técnica de enfermagem contou aos investigadores que o homem estava com morfina e tramadol nas mãos. A justificativa foi de que ele estava portando os opioides a pedido de um médico. Este, por sua vez, negou.

Diante das provas e relatos, o homem foi levado para uma sala para que a Polícia Federal fosse acionada. Na sequência, foi conduzido pela PF. Entre os possíveis delitos descritos estão furto qualificado, tráfico e uso indevido de drogas. Acompanhado por um advogado, ele foi posto em liberdade provisória horas após a prisão.

Nesta segunda-feira (29) o estudante chegou a ser conduzido novamente para a Polícia Federal após ir à universidade. Segundo o advogado, o cliente buscava encontrar um servidor para reservar uma sala em que deveria realizar um seminário. Enquanto transitava pelos corredores, ele foi parado por servidores com a alegação de invasão. A PF entendeu que não havia ilegalidade e voltou a liberá-lo.

Posicionamentos

O Hospital das Clínicas da UFG disse em nota breve que o caso já está sob investigação da Polícia Federal e que não há mais informações para repassar. Também por nota, a Faculdade de Medicina diz que está ciente do ocorrido, afastou o discente e está acompanhando a apuração.

Drogas são de grande risco

De acordo com o farmacêutico Flaubertt Santana, as características dos opioides em questão e os riscos representados para a saúde humana em caso de uso sem prescrição. Santana, que é conselheiro do Conselho Regional de Farmácia do Estado de Goiás (CRF-GO), toxicologista e mestre em Ciências Farmacêuticas, afirma que este grupo específico de drogas tem alto potencial para causar a dependência e pode até matar durante a utilização.

“São medicamentos que tiram a dor atuando no cérebro. E está aí um enorme risco, porque em grandes doses ele pode desligar a respiração e até mesmo o coração”, alerta o especialista. O conselheiro cita que neste ano foram registradas ocorrências de uso de fentanil por funcionários de hospitais em Anápolis e Pirenópolis.

Médica

O caso de Pirenópolis foi o da médica Jayda Bento, de 26 anos. A mulher foi encontrada morta no dia 5 deste mês trancada dentro do banheiro do Hospital Estadual Ernestina Lopes Jaime (HEELJ), onde trabalhava. Ela estava ao lado de uma seringa suja de sangue e um frasco fentanil.

A Polícia Civil de Goiás (PC-GO) descartou a participação de outras pessoas no caso. Segundo o delegado responsável pela apuração, Tibério Martins, as investigações não apontam que tenha ocorrido um homicídio ou um suicídio. “Tudo caminha para um acidente mesmo. Ela injetou a substância no próprio corpo, mas não imaginava que fosse perder a vida”, relatou no início deste mês.

Heroína

Conforme explica Santana, do CRF, o fentanil e os demais medicamentos opioides são da mesma classe da heroína. “Que é considerada a droga mais viciante do mundo. O viciado começa com doses baixas e depois precisa aumentar, porque ele passa por um processo de tolerância. É um indicativo de que a pessoa está tendo dependência física. Ele vai aumentando (as doses) até chegar próximo das doses letais”, explica o conselheiro.

Controle das medicamentos é rígido, mas está sujeito a falhas

O conselheiro Santana diz que os medicamentos opioides têm um controle rígido. “Se for para comprar em drogaria é preciso apresentar uma receita amarela”, afirma. Em ambientes hospitalares, no entanto, o acesso acaba sendo facilitado, já que precisam ficar disponíveis para serem utilizados nos pacientes.

“Normalmente os locais precisam ter um profissional farmacêutico. Vai ser a figura deste profissional que será responsável por fazer liberações e controles. Nesses hospitais a recorrência de furtos é quase nula”, diz ao citar a exigência de documentos e até mesmo a devolução de frascos.

“O que percebemos é que onde não há esse profissional há uma recorrência. Ou às vezes não dá liberdade para o profissional atuar como deveria”, afirma o conselheiro do CRF.

HC

O superintendente do HC, José Garcia Neto, diz que o caso foi um fato isolado, afirmando que a unidade conta com protocolos rígidos de segurança.

No processo registrado na Polícia Federal as enfermeiras do HC relatam detalhes do sistema de segurança, que além da contagem diária também dispõe de lacres nos carrinhos de medicamentos. Em mais de uma ocasião os funcionários constataram que os lacres haviam sido violados, tendo sido uma das pistas determinantes para a identificação do suspeito.

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*com informações de O Popular