Conselho de Enfermagem teme demissões e fechamento de leitos em Goiás
Dignidade é a palavra que traduz a conquista do Piso Salarial de Enfermagem, sancionado no início do mês pelo presidente Jair Bolsonaro. É o que afirma a presidente do Conselho Regional de Enfermagem de Goiás (Coren-GO), Edna de Souza Batista, em reação às manifestações contrárias do setor hospitalar e de serviços de saúde.
Na quarta-feira (24) uma carta assinada pelas cinco maiores instituições de saúde do país, lida durante o 30° Congresso Nacional das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos, em Brasília, mostrou que a decisão governamental pode causar mais de 80 mil demissões e o fechamento de 20 mil leitos.
No documento, a Confederação das Santas Casas de Misericórdia, Hospitais e Entidades Filantrópicas (CMB), a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), a Federação Brasileira de Hospitais (FBH), a Associação Nacional de Hospitais Privados (ANAHP) e a Associação Brasileira de Medicina Diagnóstica (Abramed) alertam para o risco de, nos próximos 90 dias, a população atendida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ficar sem assistência.
O levantamento feito pelo setor revela que a folha de pagamento das instituições hospitalares será onerada, em média, em 60%, podendo chegar a 64% em unidades de menor porte.
Pelo texto promulgado, a remuneração mínima de enfermeiros deverá ser fixada em R$ 4.750,00, 70% deste valor para técnicos, e 50% para auxiliares e parteiras. Os pisos salariais deverão ser aplicados por todos os setores até o início do próximo exercício financeiro. O governo vetou o dispositivo que garantia o reajuste anual automático dos valores com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Em Goiás, aproximadamente 70 mil profissionais de saúde, entre enfermeiros, técnicos e auxiliares estão vinculados ao Coren. Edna Batista explica que 70% desse total será beneficiado pelo piso, porque os demais já recebem acima do patamar estabelecido ou bem próximo dele. “Estão falando em demissões, mas sabemos que nenhuma instituição de saúde vai ficar de portas abertas sem equipes de enfermagem. O piso salarial é uma luta de 50 anos e só foi conquistada agora.”
Para a presidente do Coren-GO, o piso salarial não é aumento, mas “um direito mínimo para quem trabalhou de forma extraordinária na pandemia da Covid-19”. Edna Batista ressalta que, em todo o país 887 profissionais de Enfermagem morreram contaminados pelo coronavírus (Sars-CoV-2), 58 deles em Goiás. “Ocupamos 85% dos serviços de saúde e foi preciso uma pandemia, a pior crise sanitária mundial, para que a nossa categoria fosse vista com outros olhos, tamanha a sua importância no cenário assistencial.”
Ela acredita que as instituições de saúde, principalmente as privadas, têm condições de arcar com o pagamento do piso para a categoria.
“Estão criando desconforto agora porque nunca tiveram interesse em compartilhar lucro com essa categoria que sempre enriqueceu os serviços de saúde. São enfermeiros, técnicos, auxiliares, parteiros e estudantes que estão nos hospitais cuidando da sociedade de forma responsável, com conhecimento científico e habilidade técnica. Somos capacitados e estamos lutando”, comentou.
Sobrecarga
O técnico de enfermagem José (nome fictício), de 37 anos, trabalhou do início ao fim do Hospital de Campanha (Hcamp) para atendimento de pacientes com Covid-19 em Goiânia. Nas duas vezes em que foi contaminado, não ganhou nada durante o período de afastamento por integrar uma cooperativa. Agora, recebe cerca de R$ 1,4 mil em cada um dos três empregos que assumiu para pagar as contas. A rotina é pesada – 12 por 36 à noite, oito horas de segunda a sexta e um dia no final de semana. “Me alimento mal, tenho sobrepeso e episódios de hipertensão. O que vivemos na pandemia foi um cenário de guerra.”
Segundo José, a ameaça de demissão preocupa a categoria. “Tenho colegas que estão angustiados porque têm filhos e não sabem fazer outra coisa. E são muitas mães de família, que dependem da atividade”. A presidente do Coren GO concorda. “Em Goiás, 80% dos profissionais são mulheres que sustentam seus filhos sozinhas e ficam ausentes a maior parte do tempo porque precisam trabalhar em três empregos, sem contar a sobrecarga doméstica. A enfermagem está adoecida, física e mentalmente, e desvalorizada pelos donos dos serviços de saúde”, enfatiza Edna Batista.
Demissões já ocorrem em alguns estados
Em vários estados, como Acre, Paraíba e Rio Grande do Sul, há relatos de demissão em massa de profissionais da Enfermagem após a sanção do piso salarial. O deputado federal Túlio Gadêlha (Rede-PE) protocolou um ofício junto ao Ministério Público do Trabalho (MPT) solicitando apoio à fiscalização do cumprimento da aplicação da lei. A preocupação da categoria é que haja substituição de postos por pessoas menos preparadas e com salários menores.
“Não vamos permitir que nenhum outro profissional execute serviços que são nossos, previstos em lei. Desde o dia 5 de agosto, quando a lei foi sancionada, estamos acompanhando todo o serviço. Se houver substituição de pessoal ou sobrecarga, vamos sinalizar para o Ministério do Trabalho. Sabemos qual é a quantidade ideal de profissionais para os procedimentos de baixa, média e alta complexidade para uma assistência segura”, afirma Edna Batista.
Legalidade do piso salarial está sob análise do STF
Presidente de uma das entidades que assinam o documento, a Federação Brasileira de Hospitais (FBH), Adelvânio Francisco Morato, que também está à frente da Associação dos Hospitais do Estado de Goiás (AHEG), afirma que o impacto financeiro gerado pelo novo piso pode provocar fechamento de hospitais. “Temos de levar em consideração que 70% dos hospitais brasileiros são de pequeno e médio porte, com até cem leitos. Entendemos a importância do piso, mas quem vai pagar essa conta?”. O Sindicato dos Hospitais e Estabelecimentos de Serviços de Saúde no Estado de Goiás (Sindhoesg) e a Associação dos Hospitais Privados de Alta Complexidade do Estado de Goiás (Ahpaceg) optaram por não se manifestar.
Para Adelvânio Morato, o assunto não foi discutido de forma adequada. “O Brasil tem dimensão continental e dificuldades socioeconômicas brutais. Um piso salarial poderia ser regionalizado, estudado com todos os atores envolvidos para chegar num denominador comum. Antes de falar em demissão, precisamos entender como será o custeio, mas da forma como está, será uma calamidade para os hospitais brasileiros.”
Em fevereiro deste ano, o documento sobre o plano a ser executado pelo Grupo de Trabalho na Câmara dos Deputados para discutir o assunto após aprovação no Senado, revela que todos os segmentos envolvidos foram ouvidos. O relator, deputado Alexandre Padilha (PT-SP), agradeceu as contribuições enviadas não apenas pelas entidades representativas da categoria, mas também pelos Conselhos Nacional de Secretários de Saúde (Conass), Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Confederação Nacional dos Municípios e Associação Brasileira dos Municípios. Também estão entre os citados a CMB,a CNSaúde, a FBH, a Anahp e a Abramed que assinaram a carta divulgada em Brasília.
Recém-empossada na presidência da Federação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos do Estado de Goiás, que representa 13 instituições, a médica pediatra Irani Ribeiro de Moura salienta que a entidade não é contra o piso, mas o que define o orçamento das instituições filantrópicas é a tabela do SUS. “Em nosso hospital, 96% do atendimento é SUS. Ficamos negativos todos os meses. Nosso déficit é de R$ 13 milhões. Não temos recursos para pagar.”
Conforme a médica, que é superintendente geral da Santa Casa de Misericórdia de Goiânia, quando a lei que estabeleceu o piso salarial passou pelo Congresso Nacional, foi questionado qual seria a fonte de recursos para cobrir o custo. “Os parlamentares disseram que iriam indicar, mas a lei foi sancionada sem essa informação. Estamos muito preocupados e aguardando um posicionamento do Supremo Tribunal Federal.”
A CNSaúde entrou na Corte superior com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para impedir a implementação do piso, que está sob a relatoria do ministro Luís Roberto Barroso. Sua manifestação é aguardada para a próxima semana. A Presidência da República, a Advocacia-Geral da União (AGU), o Senado e a Câmara dos Deputados enviaram seus posicionamentos ao STF defendendo a legalidade da lei que instituiu o piso nacional.
As 13 instituições filantrópicas que formam a Federação goiana somam 1.600 leitos. Segundo Irani de Moura, o impacto provocado pelo piso é superior a R$ 36 milhões. “Algumas instituições serão atingidas em 88% da folha de pagamento, devido a quantidade de profissionais de enfermagem. Se não houver uma fonte extra de recursos mais de 400 profissionais serão demitidos e mais de 500 leitos fechados.”
A Associação Goiana dos Municípios também está preocupada. “Não vamos conseguir assumir mais este encargo. Nosso temor é que haja necessidade de reduzir a mão de obra e a qualidade do atendimento. Estamos trabalhando junto ao governo federal para que seja feita a compensação”, afirma Carlos Alberto Andrade de Oliveira, presidente da entidade. Prefeito de Goianira, município da Região Metropolitana de Goiânia, o Carlão da Fox, como é conhecido, que PEC 122 a partir deste ano proíbe a criação de despesa no serviço público sem previsão de fontes orçamentárias e financeiras. “Estamos buscando uma forma de compensação.”
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*Com informações de O Popular